CONSTITUIÇÃO FEDERAL – UM CONTO DE FADAS
De: Ysolda Cabral
A pobreza se alastra como chaga, como peste... Sem remédio e sem solução vai se ajeitando da
maneira que consegue. Entregue a própria sorte e bem na cara das autoridades
que passam para lá e para cá, fingindo não ver. Fingindo sim! Não há como não
ver ou sentir, pois a pobreza da qual falo é muito feia e fedida.
Há mais de dois meses que ''mora'' na ponte de uma das
avenidas mais movimentadas do Recife – Av. Agamenon Magalhães (bem em frente a
uma agência da Caixa Econômica Federal) uma família, composta de um jovem
casal, uma senhora – não sei se mãe ou sogra – um casal de vira-latas e um
gatinho branco.
O sustento da família vem da venda dos filhotes do casal de
vira-latas; dos trocados que, arrecadam limpando os pára-brisas dos veículos
quando o semáforo fecha; e, de uma ou outra moeda que lhes dão.
Quando lá chegaram suas aparências era de gente pobre, porém
limpa. Agora, não sabemos quem fede mais; se eles, os animais ou o canal, a céu
aberto, ali existente. – Outra vergonha para o recifense.
Não são marginais e nem analfabetos. São educados, até mais
que muita gente boa que conheço e, quando estão com muita fome, pedem. No
entanto, o constrangimento é visível.
Fico a me perguntar como uma coisa assim pode acontecer com
pessoas de bem.
Lembro certa ocasião em sala de aula, o professor de ''Ética
Profissional e Instituições Judiciárias'', Fernando Valença (um dos melhores
professores que já tive no Curso de Direito inacabado que fiz) ter nos mostrado
um filme de um pai, o qual morava debaixo da ponte, colocando os filhos para
dormirem no chão, sobre trapos imundos. Depois de rezarem, um dos garotos pedia
para o pai ler uma história de conto de fadas.
Ele abria um livro, cujo título ficava nítido na tela. Nela
estava escrito: ''CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL''.
- O que vejo sobre a ponte nem é filme... É vida real.
Publicado no Recanto das Letras em 26/04/2012
Código do texto: T3634414